sábado, 22 de outubro de 2011

Álvares de Azevedo

"Foi poeta - sonhou - e amou a vida."
Álvares é considerado o melhor representante da poesia ultrarromântica brasileira, sua melhor criação está em Lira dos vinte anos que estava terminando de preparar quando morreu.


LEMBRANÇA DE MORRER


Quando o meu peito rebentar-se fibra,
Que o espirito enlaça à dor vivente,                         
Não derramem por mim nem uma lágrima
            Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece o vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passatempo.

Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poente caminheiro
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao nobre de um sineiro;

Como o deserto de minh’alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade – é desses tempos
Que amorasa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade – é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe! pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos – bem poucos – e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoidecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a vontade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem ao meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz e escrevam nela:
- Foi poeta – sonhou e amou a vida. –

Sombras do vale, noites da montanha,
Que minh’alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramei- lhe canto!

Mas quando preludia ave d’aurora
E quando à meia noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai-me alua prantear-me a lousa!

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